Minissérie: Felizes para Sempre? (2015)

15.2.15



Não tenho mais costume de ver tv, muito menos a Globo. Mas eu adoro o trabalho do Fernando Meirelles e quando fiquei sabendo que ele estava prestes a lançar uma minissérie pra emissora fiquei bastante animada, principalmente por ter adorado sua minissérie anterior, Som & Fúria, de 2009. E, de fato, Felizes para Sempre? foi uma ótima surpresa, que mistura a dramaturgia novelesca típica brasileira com uma pegada mais adulta temperada com elementos da linguagem cinematográfica.

A minissérie, composta de 10 episódios, é uma releitura de Euclydes Marinho de sua minissérie Quem Ama Não Mata, de 1982, e trata da crise no casamento de quatro casais, todos membros de uma mesma família de Brasília envolvida em um escândalo de superfaturamento de obras do governo. Não fui atrás da série original, mas algo que fica evidente na nova versão é contemporaneidade dos temas abordados pela minissérie, sendo a mais comentada "novidade" a relação lésbica entre as personagens de Maria Fernanda Cândido e Paolla Oliveira.

Poderíamos até dizer que esse roteiro foi escrito exclusivamente para Paolla Oliveira tamanha a presença e influência de sua personagem, a prostituta de luxo Danny Bond, no desenvolvimento da trama. O triângulo amoroso de Danny com Marília e Cláudio (Enrique Diaz) é sem dúvida a história mais interessante da história, mas nem tanto por suas cenas “picantes”, filmadas daquela forma pudica típica da Globo, mas pela ótima química entre seus atores. Mais ainda melhor do que Paolla Oliveira está Enrique Diaz. É difícil ver no Brasil uma interpretação não caricaturizada de um personagem tão cínico, corrupto e cafajeste como Cláudio. O personagem é tão sem caráter que acompanhamos, ansiosos, todas as suas cenas pois ficamos curiosos pra saber qual será a próxima ação.

Também é raro vermos na tv aberta uma série com palavrões como “caralho”, “filho da puta” e “merda” e isso sempre é positivo pois torna os diálogos mais verossímeis. Por outro lado, porém, Felizes para Sempre? não consegue se livrar daqueles momentos melodramáticos que só acontecem em novela, como o clímax da série, em que todos os personagens se reúnem em um velório onde toda a roupa suja é lavada. Mas no geral, o resultado é positivo. A Globo nunca vai produzir uma série no nível de uma HBO, pela própria natureza popular do canal, mas isso não significa que ela precise ficar engessada na mesmice de uma dramaturgia careta como a de suas novelas. Some essa minissérie a outras recentes como Dupla Identidade e Amores Roubados (que eu ainda não consegui assistir) e dá pra perceber um claro o esforço da emissora para renovar sua programação, arriscar mais e ganhar a atenção do público jovem, que parece não ligar tanto para televisão como a geração de seus pais.

É para atrair o público jovem que há uma subtrama na minisérie dedicada a um adolescente de 16 anos que se envolve com uma mulher de 30 participante de um grupo black bloc. Entretanto, achei a abordagem desse tema um pouco equivocada por Euclydes Marinho: a questão dos protestos e do black bloc serviu superficialmente apenas de pano-de-fundo para um romance que também mal vemos se desenvolver na tela. Não há interesse em mergulhar no funcionamento do black bloc e Matheus Fagundes não inspira empatia. Dessa forma, os dramas vividos por seu personagem, Júnior, não nos toca e não faz a menor diferença. É a trama mais dispensável da história.

Atenção! O texto abaixo contém spoilers!

Outra trama que não foi muito bem explorada é a que envolve Joel (João Baldasserini) e Susana (Carol Abras). Ok, entendemos, Susana está em uma relação com um homem abusivo, violento e obcecado, mas e aí? Todas as cenas envolvendo os dois só serviram para reiterar esse fato, mas nada acontecia, de fato. Felizes para Sempre? termina de forma aberta, ainda que dê para subentender o que vai acontecer com quase todos os personagens da série, menos Joel e Susana, o que eu acho um grande furo na série, não me parece que um homem como Joel, ainda mais rico, como fica sugerido no final da trama, iria se contentar em deixar Susana em paz porque foi ameaçado por uma peixeira pelo atual namorado da moça.

Comentando ainda sobre os arcos dos personagens, senti falta de ver a personagem de Selma Egrei, Norma, se envolver de fato com o aluno que dava em cima dela. Assim como todas as outras grandes questões contemporâneas e polêmicas da minissérie, como o relacionamento homossexual e a pedofilia, o relacionamento entre uma mulher de meia idade e um jovem de vinte e poucos é abordado de forma superficial e tímida. Parece que Felizes para Sempre? não é tão contemporânea e despida de preconceitos como quer fazer crer.

Fim dos spoilers!

Por fim, vale comentar talvez um dos aspectos mais marcantes da série: Brasília. Confesso que sempre achava a cidade meio sem graça, apesar de não conhecê-la pessoalmente, mas Fernando Meirelles e sua equipe conseguiram, com o uso de drones, gravar imagens da cidade de tirar o fôlego. As locações escolhidas pelo diretor, como a UnB, a Praça dos Cristais e mesmo a Chapada dos Veadeiros, são tão belas que nos faz questionar porque as produções brasileiras ainda se concentram no batido eixo Rio-São Paulo. Se a história não te pareceu muito promissora (embora seja muita boa), apenas pelo espetáculo visual e pelas belas composições de quadros da direção Felizes para Sempre? já vale o tempo investido. Sem falar que por se tratar de uma história curta, não há muito tempo pra enrolação, dando muito ritmo e suspense à série, dá vontade de ver um episódio atrás do outro para saber o que vai acontecer em seguida. Ah, e fica a dica pra quem perdeu na tv, tem no Youtube! ;-)

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